Valdir Lubave, é filho de italianos proprietários de restaurantes, mas foi na herdade onde nasceu, há 46 anos, que começou a “brincar com a comida”. Em Portugal, descobriu uma imensa variedade de cogumelos selvagens que são agora a marca da sua cozinha.
Tirou o curso profissional de cozinha em Curitiba, Brasil, e a seguir foi estudar para Le Cordon Bleu, em Paris. Voltou ao Brasil e passou pelo Fasano, em São Paulo, e pelas cozinhas de Claude Troisgros, Alex Atala, Emmanuel Bassoleil, Laurent Sandeau, Luciano Boseggia e Celso Freire. “Quando saí do Brasil estava na moda abrir restaurantes e depois vendê-los. Eu abri três e vendi-os quando estavam cheios de gente, a funcionar em pleno, com os trabalhadores e tudo, tipo ‘chave na mão’.”
Valdir Lubave chegou a Portugal vindo de Santa Felicidade (estado do Paraná, sul do Brasil) em 2003 para chefiar a cozinha do Convento de Belmonte e nunca mais saiu. Ou melhor, saiu para aprender, para conhecer e para se desafiar, mas voltou sempre. “Em 2003, o proprietário do Convento – o engenheiro Antonio Ribeiro de Andrade – foi ao Brasil para me conhecer e perguntou-me se eu queria vir para Portugal dois ou três meses. Eu decidi aceitar. No fim do tempo previsto queriam que eu ficasse em definitivo, mas era complicado, eu tinha família, o meu filho mais novo tinha um ano e meio”. Explica: “Naquele tempo era difícil um brasileiro trazer a família toda e vir para Portugal. Mas aí eles me disseram ‘Não tem problema, nós resolvemos isso, vem para Portugal e fica uns dois ou três anos.” E já lá vão quinze!
Falar de comida com Valdir Lubave é falar de emoções. ”A minha cozinha é uma mistura, tem um pouco de cada país. Eu aprendi as técnicas clássicas da cozinha francesa. Quando eu era criança, passava as férias em Itália onde conhecia produtos fantásticos que só existiam ali. Em Curitiba, trabalhei com a Denise (Moreau) no Brass Rail, uma francesa da Provence, e aí nasceu uma grande influência na minha cozinha: os aromas, as ervas. Da cozinha brasileira vem a paixão. O brasileiro é um sobrevivente porque quer ser feliz sempre. A minha cozinha tem essa paixão”. E há a inspiração: “A cozinha do Ferran Adrià deixou cópias más espalhadas pelo mundo inteiro, toda a gente achava que a cozinha molecular era o caminho. Ora, se pensarmos nos grandes chefs anteriores, o (Joël) Robuchon, o Alain Ducasse, o Paul Bocuse, eles repensaram as cozinhas das avós, recriaram pratos com a sua assinatura. Eu gosto dessa cozinha com sabor, utilizando as técnicas da cozinha do mundo, mas com as lembranças da cozinha da avó ou da mãe. É essa paixão que eu tento passar para a comida. Eu uso a cozinha molecular como decoração, jamais vou fazer espuma de grão com ar de bacalhau. O grão e o bacalhau têm que estar lá! Quem quer comer cabrito, tem que ter a carne lá. É como uma fotografia de uma flor, se for muito fechada, não se vê o que está à volta. Comida tem que ter história e esses pratos assim não têm história”.
Portugal, mais propriamente a região beirã, onde Valdir Lubave se instalou, acabou por ser a cereja no topo da sua vontade de cozinhar com produtos silvestres: “Quando cheguei aqui, deparei-me com as pessoas a tropeçar em cogumelos no campo, boletos, cantarelos, mas ninguém os comia, tinham verdadeiro pavor. No Brasil eu já cozinhava com eles, mas eram absurdamente caros. Aqui, comecei a pesquisar, conheci o engenheiro agrónomo e micologista Gravito Henriques, em 2004, e passei a fazer os passeios com ele em busca de cogumelos. E eu era o porta-chaves dele. Nos intervalos do trabalho, lia todos os livros que conseguia. Em 2005, comecei o Festival do Cogumelo em Belmonte, com 8/10 espécies de cogumelos e agora temos cerca de 95”. Valdir Lubave critica: “Portugal deixou de consumir os produtos da terra, as beldroegas, as urtigas, os espargos selvagens. É um absurdo não termos pães de qualidade assados em fornos a lenha. Na maior parte dos pães a farinha já vem pronta, só misturam a água. A nossa luta aqui é manter os melhores pães e todos os produtos da terra. Tentamos comprar aos produtores locais, porque os produtos são de qualidade, mas também porque ajudamos a região. Compramos espargos, tomate, cebola, batatas, tudo aqui à volta. Às vezes vêm cá ter comigo e dizem ‘Chef, tenho aqui duas dúzias de ovos!’. Todo o mundo me conhece por isso”, diz, orgulhoso, este autêntico embaixador das Beiras.
Quando o restaurante Largo do Paço (Casa da Calçada) ganhou a primeira estrela Michelin (2004), decidiu passar uns tempos por lá com o chef José Cordeiro. “Eu queria ver o que os chefs de topo faziam. Também fui para a Quinta das Lágrimas passar um tempo com o Albano Lourenço durante dois três meses. Nessa altura, aqui o Convento ainda servia pratos muito tradicionais, tipo pataniscas com arroz de feijão. Com o tempo, com todo o apoio do proprietário, fui conseguindo criar a minha própria cozinha e a aceitação do público foi muito boa. Hoje somos um dos vinte e cinco melhores restaurantes de Portugal, estamos sempre cheios, parece coisa pouca, mas não é”.
E não é mesmo. Fazer alta cozinha no interior do país é um desafio. “Por um lado, num raio de 150 quilómetros não temos concorrência. Mas é muito mais fácil cozinhar nas grandes cidades, onde temos tudo à mão. Aqui o isolamento faz-se sentir porque tudo demora mais a chegar, chega sempre, mas demora”. Com os clientes é diferente. “Eles vêm sempre. O cliente do cogumelo, por exemplo, vem todos os anos. Com a chegada das chuvas, em meados de setembro começam os passeios e os workshops e eles não param de chegar”. Também não tem queixas dos seus colegas chefs: “É verdade que há uma ‘panelinha’ dos chefs de topo em Portugal, mas eu não posso reclamar. Em 2009 vieram cá 14 chefs de topo cozinhar, todos os meses, e eu só tinha pensado em 12. Aproveitei para dar formação ao meu pessoal e para ver o que esses chefs estavam a fazer pelo país. Vieram o (José) Avillez, o Alexandre Silva, o Henrique Mouro, o Augusto Gemelli… eles vêm sempre que eu os convido”.
O orgulho naquilo que faz é evidente: “A paixão de acordar de manhã, juntar os amigos e ir aos locais que conhecemos fazer a apanha dos cogumelos é única. Às vezes, no final do ano, vou ao Piemonte e trago trufas para usar na minha cozinha. Aqui, são pessoas do mundo inteiro a vir ter comigo; apanhar cogumelos, ir para a cozinha prepará-los e depois jantar, é muito bom”. Mas pode dizer-se que Valdir Lubave é um chef descomplicado: “Os meus amigos vão à cozinha para me cumprimentar. Quando me pedem receitas, eu envio. Quando têm dúvidas eu explico, dou o meu telefone, tenho uma relação muito próxima com muitos dos clientes. As pessoas ligam-me e dizem, “Ah, eu sei que não tem galinhola, mas eu estou com uns amigos e vou aí no fim-de-semana, será que consegue arranjar umas para mim? E lá vou eu atrás das galinholas!” Outro sucesso é aquilo a que Valdir Lubave chama ‘Na mesa do chef’: “Eles chegam aqui e não sabem o que vão comer. Eu pergunto se há algum ingrediente de que não gostam, se têm alguma alergia, e depois cozinho. Ontem mesmo um cliente conhecido quis marcar mesa para 8 pessoas no domingo. Eu disse ok, e o que é que querem comer? E ele respondeu, isso não é problema meu. Me surpreende! Eu chego no restaurante e vejo o que há. Reúno uns 10 minutos com o pessoal, decido as receitas e já está!” E não se fica pelo restaurante: “Faço jantares em casas, levo todos os ingredientes, levo o meu pessoal, cozinho e sirvo. Adoro!”
E também adora viajar, mesmo que o trabalho vá na mala. “A minha última viagem foi a Roma. Descobri o mercado Vittorio Emanuele e não queria sair de lá, a quantidade de ingredientes é impressionante! Itália é comida e eu sou viciado em cozinhar. Quando eu viajo fico sempre em apartamentos que tenham cozinha. Não é por ser forreta, vou a restaurantes, gosto de comer fora, mas não posso ficar sem cozinhar. Gosto de ir aos mercados locais, comprar os produtos e cozinhar logo”. A Índia está nos seus planos para viagens futuras, mas o próximo destino é Amsterdão, uma escolha dos filhos. Promete que só vai andar de bicicleta e passear.
Em casa, só cozinha quando há convidados: “A minha mulher é pasteleira, a minha casa cheira a bolos, ela trabalha em casa. Não posso ficar lá muito tempo senão não resisto… às vezes eu fujo, às vezes é ela que me expulsa. Na minha carta do restaurante eu faço tudo, sobremesas incluídas, mas em casa não”. Entre os pratos emblemáticos do Convento estão o capuccino de cogumelos com espuma de ervas aromáticas, que “não pode sair da ementa, as pessoas quando me vêem parece que eu tenho um cogumelo na cabeça!”, e os robalinhos com escamas de batata e beurre blanc. Já o leite-creme é uma receita tradicional com centenas de anos, da condessa de Caria. É servido dentro de uma pedra e, segundo o chef, é “o melhor leite-creme do mundo”.
No gosto pessoal, a preferência de Valdir Lubave vai para a comida caseira: brasileira ou portuguesa, não importa. “Até já me convidaram para comer ossos! É uma delícia, é um tipo de cozido, com grão, couve e ossos – com carne é claro!” Mas há sempre um mas: “Não gosto de lebre, acho fantástica para servir, mas tem uma carne muito forte, não gosto do sabor nem do cheiro. Coelho, eu como, não precisa ser muito bravo, mesmo manso eu gosto”. Com um pai chef e uma mãe pasteleira, os dois filhos de Valdir ouvem falar muito de comida em casa, mas para já ainda não há herdeiros na cozinha: “O meu filho de 25 anos fez formação profissional em cozinha, mas agora vai para um curso superior de multimédia. Eles vêem o trabalho que é, 15/16 horas por dia, e não querem isso. Eu gosto, já não precisava de trabalhar tanto, mas eu faço porque gosto.”
Este artigo foi publicado na edição de setembro/outubro 2017 da revista Food and Travel Portugal.